Monday, June 05, 2006

AQUELE CHEIRO DA NUCA

Hoje foi o meu domingo. Passei o dia de camisa de flanela bem feia, descabelada e de óculos, andando de chinelos flip-flop-flip-flop e fazendo o meu amigo que mora comigo perguntar se eu não ia botar umas calças, pelo amor de deus. É bom ter um homem que não é o meu homem morando comigo. Aliás, eu só morei com homens até hoje, convivências nem sempre bem-sucedidas. Esta é sensacional. Até falei pro zelador picareta que ele é meu irmão pra não me encherem o saco.

É bom ser solteira e não ter que dizer nada a ninguém. Demorei um pouco a me acostumar com a parte de dormir sozinha, porque sou daquelas que gosta de dormir enroscada. Demorei tanto que a minha cama ficou intocada por alguns meses, com exceção de alguns dias que eu trouxe alguém pra cá, mas nunca é a mesma coisa. Algumas pessoas deviam se desmaterializar depois do sexo - ou antes, em alguns casos, infelizmente não muito raros. Pra falar a verdade, só uma vez eu fiquei feliz em acordar do lado de alguém. Ainda fico, apesar das costas doerem.

Homens, homens. É tão difícil eu me interessar por alguém de verdade. Não era assim, eu costumava me apaixonar por detalhes, mas acho que o tempo me fez virar uma chata exigente. Tenho um ideal de homem e pouca gente se aproxima dele. Porque afinal de contas, ideais são pura teoria.

Eu queria um homem passional e inteligente. Que me equilibrasse mas me deixasse louca. Que escrevesse - não que fosse escritor, por favor. Que simplesmente escrevesse coisas que me fizessem fazer aquela cara que eu faço quando me acertam os botões. Eu queria um homem inteligente e que não achasse que eu reclamo demais, apesar de eu reclamar de tudo. Eu praticamente me comunico através de reclamações. Mas é assim que é. Eu queria um homem que gostasse de música boa, que não tivesse medo de se jogar de uma ponte de mãos dadas comigo e que gostasse da minha filha como um pai, apesar dela já ter um. Eu queria um homem que entendesse que eu uso 50 cosméticos para cada parte do corpo e não achasse isso frescura, e que entendesse que eu preciso ficar sozinha e não fosse grudento, mas fosse um pouco obsessivo, porque isso me faz sentir importante e normal, porque eu sou um pouco obsessiva. Que não fosse muito junkie, só um pouquinho, e que bebesse bastante mas conseguisse ficar sem beber bastante. Que me achasse linda e me dissesse que meu nariz é lindo, mas não se importasse com o fato de que ele vai mudar. Que gostasse de gatos e me trouxesse café na cama às vezes. E não achasse que eu sou mãe dele, nem tentasse ser meu pai. Que conseguisse ficar horas simplesmente falando e escutando, e que escutasse de verdade que nem eu escuto, e que conseguisse falar dele sem ser chato. Que me sacasse de cara em vez de me julgar pra depois me conhecer. Que soubesse bater e acariciar que nem a Nina Simone fazia com o piano dela. Que calasse a minha boca. Que não me mandasse pensar menos. Que tivesse aqueles olhos.

Eu queria um monte de coisas. Teoria.

Mas na verdade o que importa é o cheiro. Eu sou um bicho que nem todo mundo. E sou guiada pelo cheiro. Até agora eu tive sorte com o meu olfato, nunca conheci um babaca com um cheiro que me tirasse do sério. O que importa é o cheiro. É ele que fica impregnado nas coisas, nas narinas, na cabeça, nas roupas e às vezes simplesmente aparece no ar quando eu penso nele. Impressionante. Pode ter todas as qualidades do mundo, mas é o cheiro que manda. Cheiro e pele. Malditos instintos, eles sempre acabam mandando em tudo. E eu me rendo. Sempre. Posso fingir que não, levantar a sobrancelha e virar pro lado com cara de blasé, mas eu me rendo.

Eu adoro me render.


 
 

TUDO TINHA MUDADO. Menos o que ficou igual.

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senso*