Friday, October 06, 2006

100 ways

Empilho as garrafas vazias nos cantos da sala tentando guardar nelas os dias bons. Meus pés estão gelados, minha cabeça dói e você foi embora. Já estou me acostumando com você por aqui. Com essa coisa casta de você deitado no meu travesseiro, fumando cigarros na minha varanda, perambulando pelo meu quarto, fechando os olhos e falando e falando baixinho. Você me acalma tanto que eu nem me reconheço. Não quero me reconhecer. E não quero saber o que vai acontecer quando você for embora. Não penso nisso. Pensar nisso me aperta aqui e os olhos ardem e não, não posso. Eu vivia me resguardando pra isso não acontecer. Mesmo quando eu me abria, era cheia de defesas. Mas aí você veio e elas caíram uma a uma e agora eu estou aqui, nua e sem nada pra me cobrir. E você sabe. Você sabe porque eu digo. Digo tudo que deveria calar em nome da minha dignidade. E se eu pudesse eu acordaria todos os dias com você me chamando de Clarinha. Na verdade eu quase tenho acordado. Eu queria poder todos os dias de manhã antes de ler ou escrever ou desenhar a sobrancelha - isso eu roubei - te dar um desses beijos castos antes que você abrisse os olhos, como hoje quando eu beijei a sua testa e o seu cabelo estava um pouco molhado e eu senti um pouco do gosto do seu suor mas você nem sabe porque estava dormindo. Mas isso vai acabar. E eu não sei o que vou fazer com todas essas lembranças. Queria que se apagassem como uma vela e que tudo voltasse ao caminho de antes. Não quero que você vire mais um fantasma. Não quero que você tenha aquele fim. Porque você é melhor do que eles todos. Não quero mais usar ninguém pra dizer que valeu a pena porque a arte é maior e eterna e que a vida acaba. Eu também quero vida, e eu quero paz, e eu acho que agora pra ter isso eu preciso de você. E eu não sei o que fazer. Mas vou ter que descobrir isso sozinha. Vou tomar um banho, vou encontrar meus amigos, vou te esquecer um pouco. E depois eu vejo o que faço. Se é que dá pra fazer alguma coisa além de continuar indo até onde der. Você é inevitável.


 
 

TUDO TINHA MUDADO. Menos o que ficou igual.

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senso*