A YOGA E EU
I - ONTEM
Não há nada mais irritante do que um taxista que diz "ixxx" para a sua nota de 50 reais. Um taxista só tem duas obrigações: saber levar as pessoas nos lugares e ter troco. Eles não têm nada que fazer "ixxx". Têm, no mínimo, que ser solícitos e sair pra procurar troco. Mas não. Eu estava a caminho da minha primeira aula de yoga. Sim, yoga. Na Vila Madalena. Não, não estou louca. Estou chegando aos vinte e oito, minhas costas doem, minha barriga é flácida, meu corpo está começando a pedir socorro e a Leandra lançou a idéia. Sim: eu, aquela mesma, fazendo yoga na Vila Madalena. Ao menos era o que eu pretendia. Passei a noite pensando nisso. No bem-estar. Na postura. Na rigidez da carne. Na auto-estima. Acordei, deixei minha filha na escola e me toquei para lá, entusiasmada com as novas possibilidades que a vida nos proporciona. O taxista não sabia onde era a tal Rua Madalena. Mas fomos nos dirigindo para a Vila Madalena. Eu tentava não ficar tensa no trânsito do fim da manhã. Inspirava e expirava. Yoga. Perfeito equilíbrio entre corpo e mente. Leandra já estava chegando lá. Eu estava presa na Alemanha com um taxista cearense sem pressa alguma que não sabia onde era a rua e nem onde estava o seu guia. Eu inspirava e expirava. E transpirava. Era quase meio-dia e o sol estava impiedoso. Conseguimos, enfim, chegar na Vila Madalena. Ele queria procurar a rua. Ele não entendia que eu tinha pressa. Obriguei a pessoa a parar num posto para pedir informações. O moço do Posto apontou uma rua lá em cima, e no caminho da rua havia uma... feira. Eu já havia perdido a calma. Desci ali mesmo. "Ixx..." Estremeci. Ainda bem que estávamos no Posto. "Bom dia e boa sorte, moça!"
Om.
Caminhei com o sol do meio-dia rachando meu coco. Não podia ser tão difícil, e, afinal, eu já tinha sido uma local. Mas não. A Vila Madalena é um caminho de rato outrora traçado por carroças e nada faz sentido. Aliás, São Paulo inteira é assim.
Princípio básico da sensatez humana: se você não sabe direito onde fica um lugar, não dê direções erradas. Isso não vai ajudar nem um pouco. Cada um dizia que a tal rua era para um lado. Eu subia e descia as ruas íngremes da Vila Madalena como uma barata tonta ao sol do meio-dia. Àquelas alturas a aula já havia começado. "Pelo menos estou fazendo algum exercício", pensava, bufando, enquanto ria da minha própria desgraça.
Finalmente achei o lugar. Cheguei meia hora atrasada. Fiquei lá lendo livros de yoga, recuperando minha calma ao som de tablas e escrevendo no meu caderninho. Eu não desisto. Eu vou fazer yoga. E contar tudo depois.
Amanhã.
Namaste.
Rá Rá Rá!
II - HOJE
Ontem fui jantar com amigos. Bebi apenas um moderado Bloody Mary, mastigando bem o talo de salsão. Até porque foi a minha janta. Mentira. Minha janta foi uma mexelete. Era para ser uma omelete, mas falhei na virada. Ficou uma coisa entre ovos mexidos e omelete. O gosto ficou ótimo. O aspecto, péssimo. Fui encontrar os amigos, enfim. Eles tiraram onda com minha cara porque eu ia fazer yoga. E porque eu falei "yôga". "Yôga é coisa do Mestre DeRose!", disse o Luna. Certo. Decidi só falar yôga, então, durante aquela noite, porque sou uma pessoa facilmente provocável. Ele também disse que eu não duraria uma aula. Ele não sabe a quantidade de determinação que armazeno em minhas células adiposas. Todas as moças da mesa faziam yoga. O Lino, que não era uma moça, não fazia e nem pretendia fazer. Resolvemos mudar de assunto. Voltei cedo para casa, dormi meio cedo, acordei, levei novamente minha filha na escola e, na volta, tive uma desagradável surpresa neste frondoso dia que lembra a importância da mulher, nossas companheiras oprimidas e mutiladas, a luta etc etc. É. Aquilo que faz uma mulher lembrar que é mulher todo mês. Ódio. Mas não. Eu não ia desistir da yoga. Não eu. Nem a cólica faria isso. Peguei minha roupinha e fui. Cheguei na hora. Nem me importei com o taxista que fez "ixx" para a minha nota de vinte. E lá estava a professora e todas as aluninhas. Fiquei com vergonha. Não saber fazer nada no meio de pessoas que já sabem é sempre meio embaraçoso. Peguei meu colchãozinho emprestado com o moço dono do lugar, cujo nome já esqueci - do moço e do colchãozinho - e fui. Com fé.
Gente, queisso. Que tortura. Isso que é Iyengar yoga, que teoricamente é mais leve. Eu sou muito molenga. Todo mundo fica falando "naaaaaassa, você tem que fazer Ashtanga!" QUE ASHTANGA! ASHTANGA, SÓ DAQUI A SEIS MESES. Eu tremia. Suava. Eu mandava a coluna ir para um lado e ela ia para outro. Eu tentava esticar as pernas e dava cãibra. Eu, que me achava a flexível porque fiz oito anos de ballet - sim, isso também ninguém imagina, néam? Rá! Mas eu odiava, era só porque eu tinhas as pernas tortas.
Alguém aí pensa que eu vou desistir? Pensa? Pensa? EU NÃO VOU DESISTIR. Freqüentarei aulas de Iyengar yoga até as minhas costas pararem de doer. Até eu conseguir parar naquela posição que eu quase caí hoje. Até eu conseguir. Eu sou uma pessoa persistente. Eu persisto até desistir.