Tuesday, March 06, 2007

LA TOSCA

Eu não sou fina. Tenho um monte de amigos finos. Que sabem usar aqueles talheres, falar francês e conversar longamente sobre arte. Eu não sei nada disso. Eu sou meio tosca. Não sei me comportar e não conheço as coisas que eles conhecem. Alguns deles até tiram uma onda com a minha cara. Mas tudo bem. Eu sou eu. Eu não venho de uma família tradicional do interior e nem venho de uma família rica. Eu não estudei em uma escola tradicional. Estudei em um monte de colégios particulares meio de merda - tipo Colégio Batista ou Lassalista, uma maravilha -, fui convidada a me retirar de alguns sem motivo aparente, desisti de estudar e fiz supletivo. Eu não tenho nada de tradicional. Nada de extraordinário para contar sobre a minha família. Meus pais engravidaram aos dezenove anos. Minha mãe estava na faculdade de Jornalismo e o meu pai tocava bandolim na cantina Itália para meu sustento. Meu avô, o Cuspida, jogava no Grêmio mas rompeu o menisco, foi trabalhar na Caixa Econômica Federal e morreu de câncer no pulmão aos quarenta e nove anos. Minha avó era uma gata e criou os filhos. Meus pais são artistas. Mas não venho de uma linhagem de artistas. Ninguém na família do meu pai fez faculdade nem sabe desenhar, escrever, pintar, porra nenhuma. É uma família simples, de pessoas simples. O Cuspida curtia um samba, curtia tocar um balde e uma caixinha de fósfro no quintal de casa. O pai da minha mãe, para compensar, fez umas quatro faculdades e mudou de profissão umas quinze vezes. Alô, gene bipolar. Minha avó é dona de casa e pinta uns quadros. Meu tio tomou umas drogas e nunca mais voltou. Minha tia morreu aos vinte anos em um ataque epilético. Mas eu não os vejo há uns dez anos. Eles se foram quando eu tinha seis meses para o Espírito Santo. Não tive nenhuma convivência com eles. Temos um pequeno núcleo familiar que funciona: eu, meu pai e minha mãe. Meu pai é um músico fodão. Minha mãe desenha como uma filha da puta. Tudo que eu aprendi foi com eles e os meus caminhos. Nenhuma escola me ensinou nada. Nenhuma tradição me ensinou nada. Não tenho nenhuma procedência incrível. A única pessoa incrível da minha família, que também é do meio das letras, morreu quando eu tinha cinco anos e eu nem lembro dela. Aliás, nem tenho certeza se a conheci. Era uma Averbuck. Me perguntam muito sobre ela. Nada sei. Sei que ela era incrível, mas a única coisa que eu tenho com ela é o sobrenome.

Nunca ganhei uma viagem para a Disney na pré-adolescência ou para a Europa na pós. Nunca ganhei viagem para lugar algum, diga-se de passagem. Não dessas viagens "vai, minha filha, vai explorar o mundo". Nunca vou ganhar um apartamento ou um carro. Nosso núcleo não funciona desse jeito. Meus pais me deram o que eu precisava para ser o que sou: liberdade. Eles nunca me pressionaram. Nunca tentaram me desviar dos caminhos que eu escolhia e nem tentaram fazer de mim algo que eu não fosse. Isso engloba tudo. Desde quando eu quis morar com um namorado dez anos mais velho aos vinte anos até largar faculdades que não me serviam para nada e empregos promissores & castradores. Ou quando decidi vir para São Paulo morar em um quarto de empregada ou quando decidi ter um filho com um namorado que eu conhecia fazia três meses e eles nunca tinham visto. Não porque eles não se importavam. Porque eles confiavam na educação que me deram. Eu também confio. Eu faço um monte de cagadas. Já fiz umas cagadas inacreditáveis. Mas quando tenho que tomar alguma decisão séria, quase sempre faço a escolha certa. Porque me ensinaram a ser livre. Me ensinaram que eu podia tomar decisões sozinha. E eu aprendi.

Eu não sou fina.
Mas eu sou livre para escolher se quero ser.
Porque isso até dá para aprender.
Mas tomar decisões por si só é duro.
Vejo umas pessoas se retorcendo para tentar fazer isso.
E eu
bom,
só quero ser eu.
Nada vale mais do que isso.
Eu posso estar aqui toda fodida, mas isso ninguém tira de mim.

I got life.


 
 

TUDO TINHA MUDADO. Menos o que ficou igual.

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senso*