Aluga-se
(publicado na revista da folha na semana passada)
Sete anos, cinco casas. Dois lares e uns muquifos. Pinheiros, Vila Madalena, Vila Mariana, Santa Cecília. Agora é Consolação. Sou vizinha da Augusta e das moças na viração. As meretrizes, o róque, as luzes vermelhas subindo e as brancas descendo, os néons piscando, aquele clima de proibido-mas–não-muito. Meu apartamento enorme num prédio meio fuleiro, o zelador com delirium proprietarius agudo e vizinhos que dão festas e convidam. O glamour da decadência, a rua esburacada, ninguém se olhando ao passar. Uma, duas, três mil luzes na Avenida São João e os cinzentos vagabundos por aí. Pra mim chega. Estou farta das minhas janelas e da bunda do vizinho do prédio em frente e do outro taradão de bigode que vive tentando esticar o olho para o meu quarto, debruçado na varanda caçando um peitinho. Horizonte nenhum em nenhum lugar. Pra mim chega. Anoto placas de aluga-se compulsivamente. Visito prédios com corretores gagos e suadores crônicos, cafonas genuínos e faladores compulsivos. Meu deus como é terrível procurar um lar. Eu tinha esquecido. Sete anos e cinco casas – quatro nesta última. Indo de um lado para o outro na minha condição de retirante desabonada, as caixas rasgando, o colchão estragando, os pertences se perdendo. Depois veio um dinheiro e com ele este apartamento e móveis e alguma dignidade. Eu era feliz aqui. Por mais decadente que a rua fosse. Por mais mal-educados que fossem os donos dos cães & seus detritos. Ah, a falta de civilidade. Os maninhos folgados na frente do meu prédio sempre atiçando aquele maldito cão furioso e gritando uns com os outros. A pizzaria que trocou o lado da rua e virou boteco bagaceiro atraindo todo tipo de chinelagem. Pra mim chega. Eu e ele andamos pela Vila Madalena procurando uma casinha, um lugar onde os gatos possam se esparramar ao sol, minha filha possa correr e nós possamos fazer todo o barulho que bem entendermos tocando música a todas as horas do dia e da noite. Nada. Nenhuma casinha. Uns apartamentos apertados, umas paredes finas, claustrofobia. Prédios com cara de hotel, novos demais, sem vida alguma. Que fosse então um apartamento antigo com banheira, azulejos intactos e chão de taco. Não temos nada nesse perfil agora, senhora. As semanas passam e continuamos aqui, as camisinhas carregadas com a porra de outrem jogadas na calçada pela manhã, o trânsito ensandecido e suas buzinas histéricas e a escola ao lado perturbando o sono quando é festa. Pra mim chega. Não é possível que não exista um lugar pra mim nesta cidade enorme. Tem que ter, eu penso. Tem que ter. E continuo ligando para as imobiliárias. Uma hora aparece. Eu acho.
Sete anos, cinco casas. Dois lares e uns muquifos. Pinheiros, Vila Madalena, Vila Mariana, Santa Cecília. Agora é Consolação. Sou vizinha da Augusta e das moças na viração. As meretrizes, o róque, as luzes vermelhas subindo e as brancas descendo, os néons piscando, aquele clima de proibido-mas–não-muito. Meu apartamento enorme num prédio meio fuleiro, o zelador com delirium proprietarius agudo e vizinhos que dão festas e convidam. O glamour da decadência, a rua esburacada, ninguém se olhando ao passar. Uma, duas, três mil luzes na Avenida São João e os cinzentos vagabundos por aí. Pra mim chega. Estou farta das minhas janelas e da bunda do vizinho do prédio em frente e do outro taradão de bigode que vive tentando esticar o olho para o meu quarto, debruçado na varanda caçando um peitinho. Horizonte nenhum em nenhum lugar. Pra mim chega. Anoto placas de aluga-se compulsivamente. Visito prédios com corretores gagos e suadores crônicos, cafonas genuínos e faladores compulsivos. Meu deus como é terrível procurar um lar. Eu tinha esquecido. Sete anos e cinco casas – quatro nesta última. Indo de um lado para o outro na minha condição de retirante desabonada, as caixas rasgando, o colchão estragando, os pertences se perdendo. Depois veio um dinheiro e com ele este apartamento e móveis e alguma dignidade. Eu era feliz aqui. Por mais decadente que a rua fosse. Por mais mal-educados que fossem os donos dos cães & seus detritos. Ah, a falta de civilidade. Os maninhos folgados na frente do meu prédio sempre atiçando aquele maldito cão furioso e gritando uns com os outros. A pizzaria que trocou o lado da rua e virou boteco bagaceiro atraindo todo tipo de chinelagem. Pra mim chega. Eu e ele andamos pela Vila Madalena procurando uma casinha, um lugar onde os gatos possam se esparramar ao sol, minha filha possa correr e nós possamos fazer todo o barulho que bem entendermos tocando música a todas as horas do dia e da noite. Nada. Nenhuma casinha. Uns apartamentos apertados, umas paredes finas, claustrofobia. Prédios com cara de hotel, novos demais, sem vida alguma. Que fosse então um apartamento antigo com banheira, azulejos intactos e chão de taco. Não temos nada nesse perfil agora, senhora. As semanas passam e continuamos aqui, as camisinhas carregadas com a porra de outrem jogadas na calçada pela manhã, o trânsito ensandecido e suas buzinas histéricas e a escola ao lado perturbando o sono quando é festa. Pra mim chega. Não é possível que não exista um lugar pra mim nesta cidade enorme. Tem que ter, eu penso. Tem que ter. E continuo ligando para as imobiliárias. Uma hora aparece. Eu acho.