Monday, June 19, 2006

A NETA DO CUSPIDA

(publicado esses dias em um caderno especial da Folha que ninguém viu)



Tenho problemas com futebol. Não o tipo de problema comum, de histeria e lágrimas, fogos e testosterona, alegria e tristeza. Eu nunca gostei de futebol. “Pra que time você torce?” “Eu torço para o futebol acabar”, diria meu amigo Marcelo Mirisola. Mas não é tanto assim. Oquei, talvez seja. Sempre teve alguma coisa em mim que me fazia fugir do futebol. E agora me pediram (logo eu!) para escrever sobre esse esporte tão barulhento – quer dizer, na verdade, barulhentos são os torcedores, que gritam, urram e soltam fogos no meio da noite, acordando a minha filha, assustando meus gatos e enchendo o meu saco. Mas não era só isso que me incomodava. Tinha algo mais profundo. E agora, neste momento, acabo de ter uma epifania: eu não gosto de futebol porque sou neta do Cuspida. Antes que saiam achando por aí que o Cuspida também não gostava de futebol e que é tudo uma questão de genética, já esclareço: o Cuspida não só amava futebol, como praticava. E não que nem você, na várzea do lado de casa, não. Ele era jogador, e dos melhores. Foi campeão pelo Renner em 54 e depois jogou grandiosamente no Grêmio, e era um típico zagueiro gaúcho, nada de futebol arte, nada de firula, só raça. (Gostaria de esclarecer que estou copiando fielmente o que diziam os jornais da época que meu pai me passou, porque não sei o que estou dizendo. Obrigada.)

E, na verdade, nada disso importa. Talvez importe para você, leitor, mas pra mim, o que importa, é que eu sou a Neta do Cuspida. Que foi grande e se chamava Léo Chirivino, mas rompeu o menisco e acabou a vida como gerente da Caixa Econômica Federal e mandando os clientes tomaram em determinados orifícios corporais que ninguém gosta de ser mandando tomar em. Agora imagine você o que é ser chamada de Neta do Cuspida para uma garota fina como eu. E imagine você o que foi para um grande jogador romper o menisco nos anos 60, quando ainda não tinha jeito, e ter que trabalhar sentado em um banco. Pois é, eram outros tempos, outra era, onde os jogadores estavam realmente preocupados em jogar, não em ganhar grana ou comer mulher. Mentira, isso todo o homem pensa. E eu estou totalmente desviando do assunto. Peraí, que assunto? Eu só estou enchendo lingüiça com as parcas informações que tenho sobre futebol, que eu não gosto, e sobre o meu avô, que eu gosto bastante, apesar dele já ter morrido há muito tempo. Pois eu não deveria gostar de futebol, então? Não. Eu tenho muito orgulho de ser a Neta do Cuspida, o Bandido, que dizia que não era bandido porque só batia na bola. Eu acho realmente sensacional. E justamente por isso me irrita esse futebol poser e fútil dos dias de hoje. Acontece que sou uma romântica, e não cabe no meu romantismo esse futebol metido a glamuroso-no-topo-do-mundo. Tem aí um monte de gente para ver os outros lados que eu não estou vendo, mas ei, dá licença. Prefiro mil vezes o meu avô com o menisco rompido e toda sua dignidade no lugar do que certas pessoas de dentes salientes com o menisco consertado dando uma de gigolô internacional. E o futebol que se dane.


 
 

TUDO TINHA MUDADO. Menos o que ficou igual.

  • Vida de gato
  • Das coisas esquecidas atrás da estante : esgotado, procure nos sebos!
  • Máquina de Pinball
senso*